Por que só depois da tragédia?
Em 27 de janeiro de 2013, o país parou diante do horror: um incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), tirou a vida de 242 pessoas e deixou 636 sobreviventes com cicatrizes físicas e emocionais que jamais desaparecerão.
Na época, prometeram mudanças. E elas vieram — depois da tragédia. Uma onda de fiscalizações varreu o Brasil, fechando casas noturnas irregulares, exigindo extintores, saídas de emergência, alvarás atualizados. Tudo no calor da comoção. Tudo depois.
Agora, o filme se repete.
Em 1999, na Bahia, 37 pessoas morreram após consumir cachaça contaminada com metanol — um veneno. O caso chocou o país. Houve reportagens, investigações e promessas de fiscalização mais rigorosa.
Nada foi feito.
Hoje, em 2025, a mesma tragédia volta a acontecer: dezenas de pessoas internadas, algumas cegas, outras mortas. Cachaça adulterada novamente. E, como sempre, o país reage depois.
Repetem-se as manchetes, as entrevistas, os “mutirões de fiscalização” anunciados com pompa. Mas a pergunta que não cala é:
Por que só depois?
Onde estava a vigilância antes das mortes?
Quantos produtores ilegais de bebidas foram punidos de fato nos últimos 25 anos?
Quantos foram presos por adulteração, falsificação, envenenamento da população?
Estão presos?
Pagaram suas penas?
Ou voltaram ao mesmo ramo, impunes e ignorados?
O Brasil parece funcionar apenas movido à tragédia. As leis existem, os órgãos de fiscalização também. Mas atuam como se estivessem de olhos vendados — até que o sangue corra, até que o país chore mais uma vez.
É sempre depois.
Depois da morte. Depois da dor. Depois da revolta.
Nunca na prevenção.
Nunca no rigor.
Nunca na raiz do problema.
Indignação não basta.
É hora de o Brasil deixar de ser o país do “depois” — e se tornar o país do “antes que aconteça”.
Porque as próximas vítimas já estão por aí, andando pelas ruas, confiando nas instituições. E elas não merecem morrer para que o sistema acorde por mais uma semana.
Por Ricardo Strauss